Zero graus de por cento


El Toro, Picasso, 1945





Zero graus de por cento




Começo a escrever quando as paredes cessam 

de ranger impressões


quando telhas velam o fascínio dos céus

o tentar não pode o ser

e nada tem reboco


Quando a água de lavar arroz sai transparente,

a sombra muda de lugar,

a folha para de ventar,


e o rio barreia


o sabão já não reza o branco

o luar ascende mostarda

o dó não mais sabe o seu bemol

quando o si esquece os nós


Naquele papel que rasgou a ponta e, ainda assim, serve


no esmalte descascado

no cheiro de enferrujado

na cebola que azedou


a hélice vira uma pá de nada

 (venta oco)


o tecido desalinhavado com o fio solto

que nenhum artesão emendou


quando a máquina prefere falhar

o grito insiste em calar

quando, o apto somado ao R se torna rapto

(de vida)


a bunda senta de cansar

a cama cansa de deitar

o sofá perde o acento

do a


e as cordas do violão são de vento


escrevo quando já não há mais alento,


começo a escrever em zero graus de por cento.













Apenso ao desalento...



Dicionário Tupi(antigo)-Português, Moacyr Ribeiro de Carvalho, 1987.


[Não existe língua tupi- guarani, evidencia o autor. "Tupi é língua morta. Guarani sobrevive apesar de abastardada. São contudo línguas irmãs. "Esta tese defendida por ele provém de seu estudo por que passou a língua tupi. A língua chamada guarani, segundo suas inferências, nada mais é do que consequência de mutação natural por que passam as línguas com o correr do tempo. Moacyr interessa-se pelo tupi antigo, retirando de seu glossário as palavras que não pertencem ao idioma. É cuidadoso. Procura fazer uma depuração. É muito explícito quando apresenta o verbete. Notamos tal quando ele apresenta um sufixo, um prefixo. Costuma dizer que se interessou pela língua tupi porque seu pai deu, a seus filhos, nomes do idioma. Todavia, quando lemos seu trabalho, verificamos ser muito meticuloso evidenciando possuir um copioso vocabulário ao lado do conhecimento das flexões. De tal forma penetra ele na sutilidade linguística, com tanta segurança, dir-se-ia ser Moacyr Carvalho a ressurreição de um tupi para um trabalho de restauração. Isto notamos, quando ele se refere ao povo tupi, em sua expressão: "Dedico este livro aos tupis, assassinados pelo progresso!

A filologia se enriquece com o dicionário de Moacyr Carvalho.


Salvador, 15 . 11 . 1983 Edson Nunes da Silva.]









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