C O M E N T Á R I O S À E P Í G R A F E S
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I -
“Escuta e serás sábio. O começo da sabedoria é o silêncio. ” (Pitágoras?)
"O que procuraste em ti ou fora de
teu ser restrito e nunca se mostrou,
mesmo afetando dar-se ou se rendendo,
e a cada instante mais se retraindo,
olha, repara, ausculta: essa riqueza
sobrante a toda pérola, essa ciência
sublime e formidável, mas hermética,
essa total explicação da vida,
esse nexo primeiro e singular,
que nem concebes mais, pois tão esquivo
se revelou ante a pesquisa ardente
em que te consumiste... vê, contempla,
abre teu peito para agasalhá-lo.”²
Infinitos silêncios ecoam.
O silêncio da reza, da oração, da meditação. O particular silêncio ao se escutar uma melodia agradável. O silêncio velado das intenções pretendidas. O emudecer das vontades. O silêncio no horizonte da esperança. Os silêncios da natureza³, no plainar das aves, no mergulho nas profundezas marítimas, no cair de uma pluma ou no condensar das nuvens. O silêncio esguio de toda a areia dos desertos, ou aquele dos olhares cruzados entre a presa e o predador. O silêncio da pausa da respiração. O silêncio é um estado de abstenção. Há ainda o silêncio do bebê ao nascer de sua mãe, ao ser trazido à luz. Ou o sorriso silencioso no olhar das crianças. Silenciam também a fome e a sede. E há, outrossim, entre inumeráveis silêncios, o silêncio do espanto.
O espanto, a propósito, nos cala, nos tira a voz e a fala (o dizer da razão, reunidor, unificador). Torna-nos perplexamente frágeis impotentes. Por uns instantes, ou alguns repetidos momentos na vida, ou mesmo por anos até o dia de nossa morte, espantamo-nos diversas vezes – e diversas são as vezes que nos calamos. Abstemo-nos, ou seja, silenciamos para apreender e digerir o “novo” diante de nós.
Um tipo de “silêncio filosófico”, talvez o primordial, seria causado pelo espanto de não saber: A perplexidade diante da ignorância. A sabedoria consistiria, pois, em buscar o conhecimento verdadeiro e “sair” desta ignorância – repleta de “ruídos”.
Calar-se para poder ouvir? Ouvir para aprender? Silenciar para compreender?
Para alcançar a sabedoria é fundamental “aprender” a escutar, ser capaz da ação da escuta. É preciso ser sábio para conseguir escutar com exatidão. Ou, mesmo ao realizar uma leitura, ser capaz de “escutar” o que aquelas palavras lhe dizem. Um primeiro passo importante para aprender a pensar. Nesse sentido, silenciar é uma ação que possibilita a escuta. Em sentido complementar, silenciar seria uma omissão, omissão da fala, do ruído, do desinteresse. Abrindo-se para a consideração de um sentido. Sendo humilde para se permitir dar ouvidos a alguém. Ouvir uma estória ou um relato, ouvir as experiências de vida alheia, ouvir uma lição de um mestre....
Silenciar, então, é uma ação de recolher-se. Um gesto sigiloso e secreto da alma, que se recolhe para colher novamente os frutos do mergulho em si mesmaᵄ.
No extraordinário gesto de homologar com o logos, a sabedoria torna-se inaudita e silenciosa.
Para “escutar” a voz do Lógos é preciso, pois, fazer silêncio; um silêncio profundo na alma. É preciso saber repousar, de certa forma. Calar o corpo, os ímpetos e a fala do apetite. Acalmar os ânimos – animados, junto com a serenidade do espírito. Tornar-se alma – por abstração - e poder sentir sua eternidade, sem ruídos; sem ruídos externos. A luta com os barulhos que atrapalham a “escuta da alma” é uma batalha interior. É bem próxima de um duelo: o homem contra/ ou a favor dele próprio.
O não-saber, ainda assim, pede o silêncio. Uma reintegração do pensante consigo próprio. É preciso calar-se diante do reconhecimento de uma estranheza, sendo generoso com a alma. Participando e partilhando do seu espanto. “Deixando-nos espantarmo-nos”. Abrindo-se para a novos mundos de sentidos. Libertando-se de ruídos impuros que obnubilam a percepção - do percipiente.
No entanto, é a alma que percebe através do corpo, é a alma que “fala”, que possui tal lógos, que vê algo de inteligível nas coisas.
Quem opina é a alma, sobretudo, opina sobre o ser, pois, ela não sintoniza com o que não é ᵝ.
Quem verdadeiramente entende é a alma (mesmo que para fazer loucuras.)
Constataria Heráclito ҉ nobremente: “Eu me procurei a mim próprio”. E nesta tentativa de tornar inteligível certas compreensões, afirma que: “À alma pertence o Logos, que se aumenta a si próprio. ” E perpetua o pré-socrático: “Também quando ouvem não compreendem, são como mudos. Justificam o provérbio: presentes, estão ausentes. ”7
O silêncio filosófico primordial! Tal silêncio existiu, será, naqueles que despertaram para a filosofia? Foi um dado momento? É sempre reposto? Reabrimos nossos ouvidos para uma escuta que nos una, ligue-nos, ao saber, a cada vez que nos indagamos? O espanto de não saber, por assim dizer, nos torna jovens viris e curiosos, entusiasmados com a sensação de se defrontar com a ignorância. - Para aqueles que, por ventura, amarem a sabedoria.
Diz São Bento no início do prólogo da sua Regra: “Escuta, ó filho, os preceitos do Mestre, e inclina o ouvido do teu coração”. ∞
A primeira palavra da Regra é “escuta...”. Assim como no excerto de Pitágoras, somos convidados a refletir sobre esse apelo, esse chamamento, ao respeito pela sabedoria e à disciplina necessária para a formação do ser humano em todo o seu processo educativo.
Aprender a escutar também é uma questão de disciplina, coragem e humildade.
Por último, o conselho de Rainer Maria Rilke em “Cartas a um jovem poeta”, carta número um: “Nada a poderia perturbar mais do que olhar para fora e aguardar de fora respostas a perguntas a que talvez somente seu sentimento mais íntimo possa responder na hora mais silenciosa. ”
BORNHEIM Gerd. (org). Os filósofos Pré-Socráticos. São Paulo: Cultrix, 2010.
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