Narciso morreu de interiorização. Morreu de tanto voltar-se a
si. Sem olhar os demais, sem escutar aos demais, sem a vigília da vida.
E para além de contemplar sua figura, consumiu-se em desgosto.
Não é apenas a selfie na lagoa de Eco. É uma espécie de self-consumo. - que ecoa atualmente.
O espelho d’agua narcísico hoje se manifesta como nesses
aparelhos celulares, espertos - os smartinhos. Smartphone é um ente movediço e arenoso que suga a
mortalidade. Ao mesmo tempo em que, é poço sem fundo. É feito para se afogar mesmo. É encontrar
com o seu perder-se; Abusando do drama.
A internet é a fome, a nova fome. Sem fim e sem previsão. Sem
medida. Milhões de bibliotecas por minuto, para cérebros sem vida.
*Abre parêntese:
No metrô, esses dias, eu não vi ninguém. Eu vi coisas, apenas.
Ninguém estava lá, somente eu presente. Ninguém me veria se não pudesse me
olhar. Humano algum me viu. Eles se tornaram coisas e coisas não podem
enxergar. Saí acompanhada de mais dois ou três humanos. Deixamos para trás o
vagão de objetos inanimados – sem anima. Antes eram vagões de gente; vagões
portadores de almas. Hoje vagueiam vazios. *Fecha parêntese.
Estamos ficando com fome... E em breve sede, muita
sede. Já não teremos forças para encher as garrafas d’água vazias.
Antes, antes do espelho narcísico de cristal líquido, os espíritos das
pessoas se aderiam mutuamente. Os olhos precisam conversar para a alma sorrir. Os ouvidos para que possam ouvir, precisam, antes, se permitir à escuta. Havia
disposição, havia gôsto!
A repetição nos fazia gesto e com o gesto, ato, e com
o ato: a humanidade.
Sem imitar os gestos, sem percebê-los, sem enxergar o outro,
não há repetição, não há ato, não há humano.
É a "mímesis", é o meme da vida.
A “esperteza” dessa tecnologia, certamente, tem relação com a
interioridade. Passa a não haver mais um mundo
externo ao seu eu. Saímos do cogito justificado para regredir a um solipsismo
sem justificativa? Sem encontro? Sem a procura, a curiosidade, o espanto?
Sem imitar o real? Preocupando-se em propagar e repetir o virtualmente posto, colocado em suspenso. Longe, distante, sem consenso?
Volta-se e revolta-se.
O humano perdeu-se em si próprio,
narcísico, ‘selfista’, inacabadamente retornado para o mesmo lugar sempre: o
si.
Feito um carrossel, hipnotizado pelas voltas e pela música.
Pelo sono, preso na fuga, afogado de eus e nu.
Estamos joguetes da inautenticidade.
P.S.: Há uma réplica do primeiro carrossel do mundo, bem no centro da praça de alimentação do parque Beto Carreiro World! Dois andares de voltas e voltas. Recomendamos fazer a digestão.
Um abraço.